8 Anos sem Ryan Gracie
Enviado: 25 Dez 2015 05:41
Eu achei esta matéria semana passada quando se completou 5 anos da morte do Ryan. Bom, agora se passaram 8 anos em dezembro desde que ele faleceu e achei legal abrir este tópico para falar sobre o polêmico e ao meu ver, impressionante, atleta que foi o Ryan.
Abaixo coloco a matéria da Gracie Magazine que conta um pouco do lutador 5 anos após sua morte com histórias malucas, como na vez que ele pra São Paulo pela primeira vez aos 17 anos de idade com o Soca no carro e dormiu dirigindo e pediu para o Soca acordá-lo nas curvas. Acontece que o soca também dormiu e o resto da história vocês conferem abaixo.
Desde pequeno, ele dizia aos amigos que ia morrer aos 33 anos.
Vivia em intensidade máxima, saboreando prazeres extremos, despertando emoções extremas, equilibrando-se no desfiladeiro de perigos extremos.
Ainda assim, fomos todos pegos no contrapé quando chegou a notícia: Ryan Gracie morreu dormindo, sozinho numa cela da 91o DP de São Paulo, na madrugada do sábado, 15 de dezembro.
O mundo será diferente sem ele.
Afinal, o “Fera” era onipresente.
Bastava falar o nome dele, que, feito mágica, ele aparecia. Estivéssemos no Japão, no Rio, em NY, ou no Havaí.
E chegava causando alvoroço.
Me lembro em 1997, no Pan de Jiu-Jitsu em Honolulu. Ainda ia demorar muito para ele estrear no Pride, mas ele já era o Ryan há muito mais tempo.
A ilha de Oahu era pequena demais. Então ele foi para o mar. Pegou uma prancha e entrou na raivosa baía de Waimea.
Tudo bem, os entendidos de surfe vão dizer. Surfar nas ondas gigantes de Waimea não é para qualquer um, mas muita gente surfa. OK, respondo eu. Só que o Ryan NÃO sabia surfar.
Entrou lá, tentou descer três ondas, e, claro, caiu nelas. Disse que quase se afogou, mas saiu ileso. Na mesma viagem, capotou de carro e nocauteou dois havaianos de uma vez só com sua certeira cotovelada, mas sobre essas duas práticas (cotoveladas e capotadas), existem histórias mais marcantes.
Aportando em São Paulo
O seu primeiro carro, um Escort XR-3 preto, durou uma viagem. Foi uma viagem inacreditável, mas apenas uma.
Acompanhado do amigo Alexandre Soca, Ryan saiu do Rio de manhã, em direção a São Paulo. Ele não tinha nem 17 anos, mas carteira de motorista era detalhe.
Acontece que os pneus do carro furaram mais de 20 vezes. Parece mentira, mas tudo na vida dele parecia mentira. Começou pagando os consertos. O dinheiro acabou, e ele então usou as roupas da patrocinadora High-Level como moeda de troca. Acabaram as roupas, furou de novo. Então só restou consertar e fugir, o borracheiro disparado atrás. Só que logo à frente, furaria de novo, e eles teriam de voltar ao mesmo borracheiro para se desculpar e convencê-lo a fazer mais um conserto. Tarefa fácil para quem já nasceu carismático.
O percurso, na velocidade dele, duraria no máximo três horas (quatro para pessoas normais), mas já era noite adentro e a capital paulista não se aproximava. Quis parar para descansar, mas “estamos quase chegando”, insistiu Soca.
“Beleza, então faz o seguinte, me acorda na curva”, combinaram.
O insano plano funcionou por um tempo, até que Soca também dormiu.
Desceram a ribanceira, capotando inúmeras vezes, ele gritando no meio do acidente: “Eu te avisei, Magrinho, eu te avisei”.
“Eu só queria que aquilo acabasse para eu pegar ele”, lembrava Ryan quando contava a história: “Só que acabei com pena, porque ele estourou o joelho no acidente”.
A chegada a São Paulo, onde Ryan a partir de então fincaria raízes, teria a sua própria academia, legião de alunos e rivais, foi triunfal: de carona no reboque.
A arma secreta
Muitas histórias poderiam ilustrar a cotovelada, seu golpe predileto, sistematizado através da prática reiterada fora do laboratório. Ou, de lado a linguagem da ciência, aperfeiçoado à vera, nas brigas de rua.
Que o diga o faixa-preta Jorge Pereira.
Ryan era muito amigo do meu cunhado, Paulo Guillobel, e chegou a morar na casa dele quando garoto. Mas um dia, em 1998, os dois se estranharam por conta de uma garota, e marcaram uma briga, a portas fechadas na academia, para resolver as diferenças.
Seria dentro da Gracie Barra, mas na hora prevista o Carlinhos, tio e professor de Ryan e do professor de Guillobel, Jorge Pereira, estava comigo e com Vitor Belfort, subindo a Pedra da Gávea.
Chegamos atrasados, e o duelo dos dois já se desenrolava na rua, em frente à academia. Amigos que eram, parecia uma briga de comadres, onde nada acontecia, Ryan por cima, dentro da guarda de Guillobel. Brigaram porque acertaram publicamente que iam fazer. O ritmo era tão tranquilo que, no meio da confusão, Ryan já estava discutindo com Jorge.
Carlinhos chegou apaziguando. Para não intervir e alguém sair no prejuízo na hora do “aparte”, ele sugeriu: “Se os dois ficarem em pé, acaba, tudo bem?” Ambos concordaram. Guillobel então esperneou e ficou em pé.
Jorge então foi conversar com Ryan, tomar satisfação do que o Fera tinha dito para ele durante a briga. Não houve conversa. Tomou uma cotovelada, caiu de joelhos grogue.
Uma hora depois, Ryan já tinha ido embora, Jorge voltou para conversar com Carlinhos. Queria resolver aquilo. Os dois acabaram se entendendo e o episódio não teve sequência. Mas, ali, na garagem da casa do mestre, e ainda sem ter passado a raiva, Jorge deu de ombros, coçou o queixo e admitiu:
“Temos de tirar o chapéu para a cotovelada do garoto”.
Estreia com bolsa de 150 mil dólares
Foi em 2000 o grande marco da vida de Ryan.
Envolvido numa confusão na Ilha dos Pescadores, casa de festas no Rio, ele passou 17 dias preso, acusado de esfaquear um valentão da noite, apelidado de “Chuck Norris”.
Em entrevista publicada na edição #39 de GRACIEMAG, ele me contou que não comia direito e que ficava junto com 35 presos. Apesar disso, a convivência foi boa:
“Eles não me perturbavam, eu ficava quieto num canto da sala. Todos me tratavam bem, dei autógrafos e umas camisas, tanto para os presos como para os policiais.”
No entanto, aquilo o assustou:
“Não quero nunca mais voltar e tenho fé que não vou mais parar num lugar como aquele”, ele disse.
Diante da resposta, perguntei se ele ia mudar de atitude:
“Não, mudar minha atitude não, mas vou parar de aceitar provocações, para não me meter mais em encrenca”.
Até aí, Ryan tinha alguns resultados no Jiu-Jitsu esportivo, centenas de brigas, e era conhecido no meio. Mas sua carreira profissional não existia.
Ele então pediu para eu arrumar uma luta para ele no Pride. O japonês Koichi Kawasaki, agente de Renzo, gostou da ideia. O irmão não. Achou que ele não estava preparado ainda, quis esperar um pouco. Mas Ryan insistiu, e Renzo acabou cedendo.
Sem nenhum cartel, e duas semanas após completar 26 anos, ele estreou em agosto de 2000 com uma bolsa de 150 mil dólares, valor cerca de cinco vezes maior que os lutadores brasileiros de nome recebiam para se apresentar no maior evento de vale-tudo do mundo, à época.
Enquanto caminhava para o ringue, o locutor japonês o apresentava como o maior brigador de rua da família Gracie. Não era exagero. Ao microfone, contava que em uma briga ele mordeu a orelha do adversário. Também não era mentira.
A briga citada, dele ainda garoto contra o amazonense Tico, é um clássico do Youtube. No meio dela, ele reclamou que seu adversário estava puxando seus dedos. Disseram que valia tudo. Então ele obedeceu a sua torcida: “Arranca a orelha dele”. Não chegou a tanto, mas a mordida virou parte do currículo.
Imediatamente, a juventude rebelde japonesa se identificou com Ryan. Nos eventos, ele fazia questão de ir cumprimentar os fãs, mesmo antes de suas lutas. Era então cercado por milhares deles, em busca de autógrafos, fotos, lembranças. Virou ídolo.
Os compromissos profissionais obrigaram Ryan a se dedicar mais aos treinos. Sua vida de festas, viagens e mulheres teve que conciliar uma agenda de treinos. Não tinha outro jeito. Se não treinasse, não tinha como lutar.
Talvez o lutador mais habilidoso que já conheci, nessa fase ele melhorou tecnicamente, e conseguiu potencializar ao menos um pequeno percentual de seu generoso talento.
Se seguisse nessa trajetória, a Via Láctea era o limite.
Mas as lutas trouxeram muito dinheiro, e o dinheiro mais facilidades. Mais festas, mais mulheres, mais prazer. E o espaço dos treinamentos na agenda ficou mais reduzido. Antes de ele perceber e tentar sossegar, ele ainda ia pisar fundo no acelerador. Fundo a ponto de não ter mais como frear.
Ryan Gracie não morreu
De agosto de 2000 a dezembro de 2004, Ryan fez sete lutas, todas no Pride, todas contra ídolos locais.
Os pontos altos foram a estreia avassaladora, derrubando e nocauteando uma estrela do wrestling local, a luta contra Sakuraba, em que perdeu por decisão dos jurados mas galgou mais alguns metros na montanha da fama, e as ocasiões em que decidiu a favor dos Gracies nos confrontos de equipes do Pride Bushido.
Outro destaque foi a chave de braço que envergou o braço de Shungo Oyama, judoca que o tinha desrespeitado na coletiva de imprensa. Quis (mas não foi atendido) enfrentar Hidehiko Yoshida, o campeão olímpico de judô. Sabia que a luta lhe renderia ainda maior projeção.
Seguramente o maior desafeto de Ryan, o faixa-preta Jorge Patino, o Macaco, declarou ao jornal “Diário de São Paulo”, alguns dias após a morte do rival:
“Mesmo não sendo um lutador de ponta, Ryan tinha um desejo de vitória muito grande, não tinha medo e não aceitava desaforos, requisitos admirados pelos japoneses”. Ainda para o jornal, Macaco reconheceu que o respeito e o fanatismo pelo estilo de Ryan no Japão foram marcantes.
Ryan e Macaco brigaram umas dez vezes, em 15 anos. Em restaurantes, em eventos de vale-tudo, dentro da Federação Paulista, na rua. Chegaram a passar alguns anos em armistício, mas voltaram a se estranhar, e chegaram às vias de fato.
Ainda assim, embora procure diminuir o valor como lutador, Macaco reconhece a popularidade do inimigo.
De fato, os resultados de Ryan foram pequenos comparados ao que ele representa. Das sete lutas que fez no Pride, cinco foram lutas principais (como termo de comparação, Rodrigo Minotauro foi a estrela maior em cinco eventos do Pride – sendo que, diferentemente, o baiano lutou 21 vezes na organização).
Não foi à toa que Ryan figurou em nove capas de GRACIE Magazine e da Revista “Nocaute”.
Elvis Presley pode não ter sido o mais virtuoso dos músicos, mas não deixou de ser o mais popular.
Em 2005, Ryan praticamente rasgou um cheque de um milhão de dólares, valor oferecido pelo Pride pelas atividades naquele ano do Gracie, que jamais voltaria a lutar.
Agarre-me se for capaz
Com as glórias, vieram mais dinheiro, mais compromissos, mais tensão, mais obrigação, e a droga parecia ser a válvula de escape. Talvez o maior problema nem tenha sido os tóxicos, mas os remédios e principalmente o álcool.
Fato é que ele começou a dar sinais de que precisava de ajuda. E a família, os amigos, a mulher, os alunos, todos tentaram ajudá-lo. Ele próprio tentou, com todas as forças. Passava dias, às vezes semanas sem usar nada, mas vinha a crise de abstinência, e era mais forte do que ele.
Ryan não estava acostumado a ser domado, e não aceitou ser controlado. Quando seu subconsciente eclodia, ele fazia o que queria. Sempre foi assim.
Tinha o corpo fechado, fazia questão de desafiar o sistema, criar uma situação adversa, e enfim escapar por um triz. Sempre.
No carnaval de 2002, numa rave em Ibiraquera, sul do Brasil, ele estava tomando uma junta e entrei no meio de meia dúzia de curitibanos menos graduados da Chute Boxe para afrouxar a gravata que Ryan tomava. Em fração de segundos, a primeira reação quando saiu do sufoco foi angariar para o seu lado, com gestos, dois seguranças da festa: “Tá comigo, tá comigo”. Seus alunos chegaram em seguida e a situação piorou muito antes de melhorar. Mas ele saiu ileso.
Perto dele, o Frank Abganale Jr, interpretado por Leonardo DiCaprio em “Prenda-me se for capaz”, parecia uma criança de castigo fugindo do quarto.
Ryan era o mestre das escapadas.
Ele era capaz de analisar todos os aspectos antes de piscar os olhos, e rapidamente tomar a decisão que o levasse à saída mais inteligente.
No auge da paranoia, do pânico que lhe afligia mais e mais com o passar do tempo, Ryan saiu de casa, na sexta-feira, dia 14 de dezembro, e, na sua cabeça, perseguido por uma facção criminosa paulista, roubou um carro para fugir. Ás no volante, a encalhada no banco da praça que virou foto nos jornais mostra que ele não era mais ele. Tentou pegar outro carro, não conseguiu, abordou um motoboy, e tentou tomar-lhe a moto. Foi dominado e preso em flagrante.
O psiquiatra contratado pela família então administrou uma dose cavalar de remédios, que provou ser um coquetel fatal misturado com outras drogas. Ryan, aos 33 anos e 2 meses, não acordaria no dia seguinte.
Barbeiragem médica à parte, ele tinha prometido que não ficaria mais trancafiado.
A dor corrói, Mas talvez, nesse momento, o descanso tenha sido a melhor saída para o Fera.
* * *
Lendas de feitos imortalizaram cowboys como Billy The Kid e Jesse James.
Ryan Gracie, diferentemente, foi a própria lenda.
Abaixo coloco a matéria da Gracie Magazine que conta um pouco do lutador 5 anos após sua morte com histórias malucas, como na vez que ele pra São Paulo pela primeira vez aos 17 anos de idade com o Soca no carro e dormiu dirigindo e pediu para o Soca acordá-lo nas curvas. Acontece que o soca também dormiu e o resto da história vocês conferem abaixo.
Desde pequeno, ele dizia aos amigos que ia morrer aos 33 anos.
Vivia em intensidade máxima, saboreando prazeres extremos, despertando emoções extremas, equilibrando-se no desfiladeiro de perigos extremos.
Ainda assim, fomos todos pegos no contrapé quando chegou a notícia: Ryan Gracie morreu dormindo, sozinho numa cela da 91o DP de São Paulo, na madrugada do sábado, 15 de dezembro.
O mundo será diferente sem ele.
Afinal, o “Fera” era onipresente.
Bastava falar o nome dele, que, feito mágica, ele aparecia. Estivéssemos no Japão, no Rio, em NY, ou no Havaí.
E chegava causando alvoroço.
Me lembro em 1997, no Pan de Jiu-Jitsu em Honolulu. Ainda ia demorar muito para ele estrear no Pride, mas ele já era o Ryan há muito mais tempo.
A ilha de Oahu era pequena demais. Então ele foi para o mar. Pegou uma prancha e entrou na raivosa baía de Waimea.
Tudo bem, os entendidos de surfe vão dizer. Surfar nas ondas gigantes de Waimea não é para qualquer um, mas muita gente surfa. OK, respondo eu. Só que o Ryan NÃO sabia surfar.
Entrou lá, tentou descer três ondas, e, claro, caiu nelas. Disse que quase se afogou, mas saiu ileso. Na mesma viagem, capotou de carro e nocauteou dois havaianos de uma vez só com sua certeira cotovelada, mas sobre essas duas práticas (cotoveladas e capotadas), existem histórias mais marcantes.
Aportando em São Paulo
O seu primeiro carro, um Escort XR-3 preto, durou uma viagem. Foi uma viagem inacreditável, mas apenas uma.
Acompanhado do amigo Alexandre Soca, Ryan saiu do Rio de manhã, em direção a São Paulo. Ele não tinha nem 17 anos, mas carteira de motorista era detalhe.
Acontece que os pneus do carro furaram mais de 20 vezes. Parece mentira, mas tudo na vida dele parecia mentira. Começou pagando os consertos. O dinheiro acabou, e ele então usou as roupas da patrocinadora High-Level como moeda de troca. Acabaram as roupas, furou de novo. Então só restou consertar e fugir, o borracheiro disparado atrás. Só que logo à frente, furaria de novo, e eles teriam de voltar ao mesmo borracheiro para se desculpar e convencê-lo a fazer mais um conserto. Tarefa fácil para quem já nasceu carismático.
O percurso, na velocidade dele, duraria no máximo três horas (quatro para pessoas normais), mas já era noite adentro e a capital paulista não se aproximava. Quis parar para descansar, mas “estamos quase chegando”, insistiu Soca.
“Beleza, então faz o seguinte, me acorda na curva”, combinaram.
O insano plano funcionou por um tempo, até que Soca também dormiu.
Desceram a ribanceira, capotando inúmeras vezes, ele gritando no meio do acidente: “Eu te avisei, Magrinho, eu te avisei”.
“Eu só queria que aquilo acabasse para eu pegar ele”, lembrava Ryan quando contava a história: “Só que acabei com pena, porque ele estourou o joelho no acidente”.
A chegada a São Paulo, onde Ryan a partir de então fincaria raízes, teria a sua própria academia, legião de alunos e rivais, foi triunfal: de carona no reboque.
A arma secreta
Muitas histórias poderiam ilustrar a cotovelada, seu golpe predileto, sistematizado através da prática reiterada fora do laboratório. Ou, de lado a linguagem da ciência, aperfeiçoado à vera, nas brigas de rua.
Que o diga o faixa-preta Jorge Pereira.
Ryan era muito amigo do meu cunhado, Paulo Guillobel, e chegou a morar na casa dele quando garoto. Mas um dia, em 1998, os dois se estranharam por conta de uma garota, e marcaram uma briga, a portas fechadas na academia, para resolver as diferenças.
Seria dentro da Gracie Barra, mas na hora prevista o Carlinhos, tio e professor de Ryan e do professor de Guillobel, Jorge Pereira, estava comigo e com Vitor Belfort, subindo a Pedra da Gávea.
Chegamos atrasados, e o duelo dos dois já se desenrolava na rua, em frente à academia. Amigos que eram, parecia uma briga de comadres, onde nada acontecia, Ryan por cima, dentro da guarda de Guillobel. Brigaram porque acertaram publicamente que iam fazer. O ritmo era tão tranquilo que, no meio da confusão, Ryan já estava discutindo com Jorge.
Carlinhos chegou apaziguando. Para não intervir e alguém sair no prejuízo na hora do “aparte”, ele sugeriu: “Se os dois ficarem em pé, acaba, tudo bem?” Ambos concordaram. Guillobel então esperneou e ficou em pé.
Jorge então foi conversar com Ryan, tomar satisfação do que o Fera tinha dito para ele durante a briga. Não houve conversa. Tomou uma cotovelada, caiu de joelhos grogue.
Uma hora depois, Ryan já tinha ido embora, Jorge voltou para conversar com Carlinhos. Queria resolver aquilo. Os dois acabaram se entendendo e o episódio não teve sequência. Mas, ali, na garagem da casa do mestre, e ainda sem ter passado a raiva, Jorge deu de ombros, coçou o queixo e admitiu:
“Temos de tirar o chapéu para a cotovelada do garoto”.
Estreia com bolsa de 150 mil dólares
Foi em 2000 o grande marco da vida de Ryan.
Envolvido numa confusão na Ilha dos Pescadores, casa de festas no Rio, ele passou 17 dias preso, acusado de esfaquear um valentão da noite, apelidado de “Chuck Norris”.
Em entrevista publicada na edição #39 de GRACIEMAG, ele me contou que não comia direito e que ficava junto com 35 presos. Apesar disso, a convivência foi boa:
“Eles não me perturbavam, eu ficava quieto num canto da sala. Todos me tratavam bem, dei autógrafos e umas camisas, tanto para os presos como para os policiais.”
No entanto, aquilo o assustou:
“Não quero nunca mais voltar e tenho fé que não vou mais parar num lugar como aquele”, ele disse.
Diante da resposta, perguntei se ele ia mudar de atitude:
“Não, mudar minha atitude não, mas vou parar de aceitar provocações, para não me meter mais em encrenca”.
Até aí, Ryan tinha alguns resultados no Jiu-Jitsu esportivo, centenas de brigas, e era conhecido no meio. Mas sua carreira profissional não existia.
Ele então pediu para eu arrumar uma luta para ele no Pride. O japonês Koichi Kawasaki, agente de Renzo, gostou da ideia. O irmão não. Achou que ele não estava preparado ainda, quis esperar um pouco. Mas Ryan insistiu, e Renzo acabou cedendo.
Sem nenhum cartel, e duas semanas após completar 26 anos, ele estreou em agosto de 2000 com uma bolsa de 150 mil dólares, valor cerca de cinco vezes maior que os lutadores brasileiros de nome recebiam para se apresentar no maior evento de vale-tudo do mundo, à época.
Enquanto caminhava para o ringue, o locutor japonês o apresentava como o maior brigador de rua da família Gracie. Não era exagero. Ao microfone, contava que em uma briga ele mordeu a orelha do adversário. Também não era mentira.
A briga citada, dele ainda garoto contra o amazonense Tico, é um clássico do Youtube. No meio dela, ele reclamou que seu adversário estava puxando seus dedos. Disseram que valia tudo. Então ele obedeceu a sua torcida: “Arranca a orelha dele”. Não chegou a tanto, mas a mordida virou parte do currículo.
Imediatamente, a juventude rebelde japonesa se identificou com Ryan. Nos eventos, ele fazia questão de ir cumprimentar os fãs, mesmo antes de suas lutas. Era então cercado por milhares deles, em busca de autógrafos, fotos, lembranças. Virou ídolo.
Os compromissos profissionais obrigaram Ryan a se dedicar mais aos treinos. Sua vida de festas, viagens e mulheres teve que conciliar uma agenda de treinos. Não tinha outro jeito. Se não treinasse, não tinha como lutar.
Talvez o lutador mais habilidoso que já conheci, nessa fase ele melhorou tecnicamente, e conseguiu potencializar ao menos um pequeno percentual de seu generoso talento.
Se seguisse nessa trajetória, a Via Láctea era o limite.
Mas as lutas trouxeram muito dinheiro, e o dinheiro mais facilidades. Mais festas, mais mulheres, mais prazer. E o espaço dos treinamentos na agenda ficou mais reduzido. Antes de ele perceber e tentar sossegar, ele ainda ia pisar fundo no acelerador. Fundo a ponto de não ter mais como frear.
Ryan Gracie não morreu
De agosto de 2000 a dezembro de 2004, Ryan fez sete lutas, todas no Pride, todas contra ídolos locais.
Os pontos altos foram a estreia avassaladora, derrubando e nocauteando uma estrela do wrestling local, a luta contra Sakuraba, em que perdeu por decisão dos jurados mas galgou mais alguns metros na montanha da fama, e as ocasiões em que decidiu a favor dos Gracies nos confrontos de equipes do Pride Bushido.
Outro destaque foi a chave de braço que envergou o braço de Shungo Oyama, judoca que o tinha desrespeitado na coletiva de imprensa. Quis (mas não foi atendido) enfrentar Hidehiko Yoshida, o campeão olímpico de judô. Sabia que a luta lhe renderia ainda maior projeção.
Seguramente o maior desafeto de Ryan, o faixa-preta Jorge Patino, o Macaco, declarou ao jornal “Diário de São Paulo”, alguns dias após a morte do rival:
“Mesmo não sendo um lutador de ponta, Ryan tinha um desejo de vitória muito grande, não tinha medo e não aceitava desaforos, requisitos admirados pelos japoneses”. Ainda para o jornal, Macaco reconheceu que o respeito e o fanatismo pelo estilo de Ryan no Japão foram marcantes.
Ryan e Macaco brigaram umas dez vezes, em 15 anos. Em restaurantes, em eventos de vale-tudo, dentro da Federação Paulista, na rua. Chegaram a passar alguns anos em armistício, mas voltaram a se estranhar, e chegaram às vias de fato.
Ainda assim, embora procure diminuir o valor como lutador, Macaco reconhece a popularidade do inimigo.
De fato, os resultados de Ryan foram pequenos comparados ao que ele representa. Das sete lutas que fez no Pride, cinco foram lutas principais (como termo de comparação, Rodrigo Minotauro foi a estrela maior em cinco eventos do Pride – sendo que, diferentemente, o baiano lutou 21 vezes na organização).
Não foi à toa que Ryan figurou em nove capas de GRACIE Magazine e da Revista “Nocaute”.
Elvis Presley pode não ter sido o mais virtuoso dos músicos, mas não deixou de ser o mais popular.
Em 2005, Ryan praticamente rasgou um cheque de um milhão de dólares, valor oferecido pelo Pride pelas atividades naquele ano do Gracie, que jamais voltaria a lutar.
Agarre-me se for capaz
Com as glórias, vieram mais dinheiro, mais compromissos, mais tensão, mais obrigação, e a droga parecia ser a válvula de escape. Talvez o maior problema nem tenha sido os tóxicos, mas os remédios e principalmente o álcool.
Fato é que ele começou a dar sinais de que precisava de ajuda. E a família, os amigos, a mulher, os alunos, todos tentaram ajudá-lo. Ele próprio tentou, com todas as forças. Passava dias, às vezes semanas sem usar nada, mas vinha a crise de abstinência, e era mais forte do que ele.
Ryan não estava acostumado a ser domado, e não aceitou ser controlado. Quando seu subconsciente eclodia, ele fazia o que queria. Sempre foi assim.
Tinha o corpo fechado, fazia questão de desafiar o sistema, criar uma situação adversa, e enfim escapar por um triz. Sempre.
No carnaval de 2002, numa rave em Ibiraquera, sul do Brasil, ele estava tomando uma junta e entrei no meio de meia dúzia de curitibanos menos graduados da Chute Boxe para afrouxar a gravata que Ryan tomava. Em fração de segundos, a primeira reação quando saiu do sufoco foi angariar para o seu lado, com gestos, dois seguranças da festa: “Tá comigo, tá comigo”. Seus alunos chegaram em seguida e a situação piorou muito antes de melhorar. Mas ele saiu ileso.
Perto dele, o Frank Abganale Jr, interpretado por Leonardo DiCaprio em “Prenda-me se for capaz”, parecia uma criança de castigo fugindo do quarto.
Ryan era o mestre das escapadas.
Ele era capaz de analisar todos os aspectos antes de piscar os olhos, e rapidamente tomar a decisão que o levasse à saída mais inteligente.
No auge da paranoia, do pânico que lhe afligia mais e mais com o passar do tempo, Ryan saiu de casa, na sexta-feira, dia 14 de dezembro, e, na sua cabeça, perseguido por uma facção criminosa paulista, roubou um carro para fugir. Ás no volante, a encalhada no banco da praça que virou foto nos jornais mostra que ele não era mais ele. Tentou pegar outro carro, não conseguiu, abordou um motoboy, e tentou tomar-lhe a moto. Foi dominado e preso em flagrante.
O psiquiatra contratado pela família então administrou uma dose cavalar de remédios, que provou ser um coquetel fatal misturado com outras drogas. Ryan, aos 33 anos e 2 meses, não acordaria no dia seguinte.
Barbeiragem médica à parte, ele tinha prometido que não ficaria mais trancafiado.
A dor corrói, Mas talvez, nesse momento, o descanso tenha sido a melhor saída para o Fera.
* * *
Lendas de feitos imortalizaram cowboys como Billy The Kid e Jesse James.
Ryan Gracie, diferentemente, foi a própria lenda.