Mensagem
por PHDookie » 18 Jul 2018 12:40
Desaparecimento da irmã, Priscila Belfort
Existe um nome para um filho que perde o pai: órfão. Existe um nome para a mulher que perde o marido: viúva. Mas não existe nome para o pai que perde um filho. No dia 9 de janeiro de 2004, a minha irmã Priscila Belfort desapareceu. Nunca mais foi vista. Nunca tivemos a confirmação de que esteja morta, embora tudo leve a crer que sim. Não tivemos corpo para velar. Não pudemos fazer missa de sétimo dia, que é um momento em que a família e os amigos se reúnem em memória da pessoa que morreu para colocar uma pedra sobre aquilo e seguir com a dor. Quando alguém está desaparecido, é como se morresse todos os dias. É uma ferida aberta. A minha ferida cicatrizou - trabalhei para isso -, mas, para a minha mãe e meu pai, continua ardendo, doendo, latejando. Cada um lida de maneira diferente com essa realidade. Belfort se ocupa de todas as maneiras, trabalha dia e noite, assim não tem tempo de parar e sentir. Já a minha mãe, Jovita, ainda chora todos os dias. Ela me telefona e chora. (...)
Por volta do meio-dia, minha irmã se despediu dos colegas e saiu sozinha para almoçar. Na última vez em que a viram, ela atravessava a passarela em frente à prefeitura, sobre as pistas de alta velocidade da Avenida Presidente Vargas. À tarde, minha mãe telefonou para Joana e disse: “A Priscila não voltou do almoço. Ninguém sabe dela.” Minha esposa não se impressionou. Imaginou que minha irmã tivesse ido comprar alguma coisa ou pagar alguma conta e que logo reapareceria. Quando cheguei em casa à noite, encontrei a família reunida na sala, todos com os rostos carregados de tensão. Joana havia escondido de mim até então, para não atrapalhar o meu treino e porque ainda tinha esperança de que Priscila aparecesse. Como até as onze da noite nada aconteceu e como a polícia pede o prazo mínimo de 24 horas para iniciar as buscas, saímos nós dois, Joana e eu, de carro pelas ruas do Rio de Janeiro. Não sabíamos bem aonde ir, mas fomos assim mesmo. Percorremos os arredores da prefeitura, Praça 15, Lapa. Depois, andamos pelas principais ruas de Copacabana, Leblon, Gávea e Ipanema. Por fim, rodamos o Largo da Barra, Jardim Oceânico e Itanhangá. Quando o dia amanheceu, estávamos passando em frente à praia da Barra e vimos uma moça de costas, cabelos castanhos, andando em direção ao mar. Parecia muito a minha irmã. Parei o carro e corri para ela: “Priscila!” Mas ela se virou e vi que era outra pessoa. Chegamos em casa exaustos e arrasados, e encontrei meu pai sentado no sofá da sala, chorando. Meu pai é um homem duro, nunca o tinha visto chorar. Nesse dia, ele parecia um menino. Nunca vou esquecer. Segundo a linha de investigação mais coerente apresentada pela polícia houve um sequestro relâmpago, e Priscila foi levada para dentro de uma favela, para uma boca de fumo. Foi estuprada várias vezes ao longo de dias seguidos, depois assassinada, queimada e sumiram com os restos. Dá para pensar em um golpe baixo mais arrasador?
Rompimento com Carlson Gracie
A vida muitas vezes requer o uso da base invertida, mas a maioria prefere manter a rota por conveniência ou comodismo, e isso pode ser sua ruína. Essa temporada nos Estados Unidos durou três anos. Ao fim desse período, o MMA começou a crescer no Brasil, e decidi regressar ao meu país. De volta ao Rio de Janeiro, novas reviravoltas me aguardavam, mas eu ainda não sabia. Uma delas foi meu rompimento com Carlson Gracie. Chegou um momento em que ele não queria mais me treinar. Parecia não estar interessado. Eu lhe telefonava para irmos à academia e ele dizia: “Vá na frente que eu já vou”, e demorava horas para chegar. Quando isso virou rotina, o chamei para uma conversa franca: “Para eu pagar uma porcentagem dos meus ganhos, como é o nosso acordo, você precisa me treinar.” Mas não teve efeito e nos afastamos. Carlson ficou ressentido e cortou relações comigo. Na última vez em que falamos ao telefone, eu disse:
- Peço perdão se magoei você. Quero que saiba o quanto foi importante para mim, da mesma forma que fui importante para você. Eu amo você. Mesmo não estando ao seu lado, não trabalhando junto, eu amo você.
Ele finalmente baixou a guarda:
- Está bem, eu perdoo você, mas não perdoo Fulano e Beltrano...
Alguns meses depois, teve um câncer fulminante e morreu rápido. Não aceitou tratamento.