Humpty Dumpty escreveu: ↑03 Fev 2022 21:31
Muito bem colocado esse termo mestre, "refino motor". É aí que mora a beleza do boxe. Ver o Popó mesmo velho bater em um poste que é o Winderson é bonito. Esses irmãos gringos não tem esse flow aí não. Como diria o título do filme ao AS, like a water.
Outro dia mesmo eu estava trocando idéia com um brother meu acerca de Bunkai (a tradução do Kata para a realidade da prática). Disso ele poderia falar beeeem mais do que eu, é um verdadeiro estudioso da matéria (embora relativamente iniciante), e é bem bom nas vias de fato também (até foi a última pessoa a me chutar na cabeça). Mas enfim, eu estava justamente elogiando essa capacidade do meu amigo em entender as pequenas minúcias da forma que alteram o todo na prática, detalhes bem simples, como por exemplo, ao invés de executar um Mae Geri como uma bicuda clássica (coisa que, por incrível que pareça, muitos fazem – também, se for levar ao pé da letra, não deixa de ser uma bicuda), tu deslocar o peso da base em uma flexão da perna da frente como eixo do quadril deflagrando o golpe em um único bloco de movimento (falando assim soa estranho, é difícil descrever sem mostrar, e posso não estar dando a dimensão exata da técnica), ou mesmo o efeito de chicotinho precedendo o chute ao invés do trajeto reto entre chão e alvo (o entendimento de que a trajetória não é uma linha completa, mas nasce de um movimento pêndulo-circular – novamente, não uma forma faseada, mas um movimento de bloco único). Não que todo ajuste seja correto para toda pessoa, mas acho que isso vem menos da necessidade de encontrar uma forma análoga (o que também não é errado) e mais da natureza da Arte em não permanecer estática e o fato de que a luta não leva em conta qualquer limitação. Não é que as limitações não existam, mas a própria Arte toma a limitação como necessidade na manifestação de novas formas, sendo assim, a gênese de novos estilos. E o que eu percebo nesse meu amigo decodificando essas formas para um escopo de uso menos abstrato é essa qualidade humana inata de perceber, entender e reproduzir linguagem. Não só replicar, como conduzir, aprimorar e expandir. É por isso que eu acho essa colocação (um flow) tão boa e certeira. O fluxo perfeito infere o entendimento da linguagem, a completude do domínio das regras que tornam a ação possível. Acho que também é o que difere como arte do que seria a luta como ciência (embora o apelo competitivo seja cada vez mais voltado ao atletismo que o estudo, domínio e desenvolvimento da técnica): a possibilidade de acentar novas realidades sem se limitar pelas circunstâncias das mesmas.
Mas, falando de boxe. Tava revendo umas lutas antigas e me admirando em como Cus D'Mato REALMENTE tinha cabeça para o negócio. O que ele fez com Mike não só foi incrível, como TITÂNICO!!! Acho que a verdadeira qualidade do que ele alcançou fica bastante subentendida no que poderia ter sido, mas é um feito digno de Frankenstein. Acho que o Cus teve uma interpretação muito foda do que foi a Era de Ouro do Boxe, e entendeu ali o que eram os pinaculos de estilo (Ali, Foreman, Frazier, Liston). Tanto é que muito do que ele produziu em termos de escape e evasão foi o elemento derradeiro na concepção de estilo desses lutadores. Por isso que o Mike foi tão bom em contornar jabs (Ali, Liston, Foreman) e uppers (Foreman), e igualmente bom deflagrando fogo de qualquer ângulo possível (os body shots foram uma das configurações mais finas de upper que já vi – o Foreman jantou o Frazier só no uppercut, e quem tinha tendência de comer vários body shots e ser enquadrado nos cantos e nas cordas?, hehehe). Grande desperdício de talento... Se Cus tivesse vivido, ele nem teria sido tocado!